Casos de sentenciados que saem do perímetro fixado só são comunicados 24 horas depois à Justiça; alguns até cometem crimes
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RIO – Apontada pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) e pela Justiça como alternativa para desafogar as carceragens, a tornozeleira eletrônica, usada por condenados beneficiados com o regime aberto, tem se mostrado um sistema falho no Rio: como o pagamento ao consórcio responsável pelo monitoramento está atrasado desde junho do ano passado e apenas 732 dos 1.362 aparelhos distribuídos funcionam plenamente. Além disso, ao contrário do que acontece em outros estados, eventuais casos de ruptura ou de ultrapassagem dos perímetros fixados pela Justiça não são comunicados imediatamente — aqui, a polícia só é acionada 24 horas depois, de acordo com o prazo estabelecido em uma norma da Vara de Execuções Penais (VEP).
André Guilherme de Freitas, promotor da Justiça de Execução Penal, diz que a situação no Rio facilita a reincidência entre os condenados que usam tornozeleiras eletrônicas:
— Vários condenados fugiram após receberem os equipamentos. O prazo de 24 horas para acionar a polícia não está previsto na Lei de Execuções Penais, consta apenas em uma norma. O estado deveria ter acesso direto, em tempo real, aos deslocamentos dos usuários das tornozeleiras, para que providências fossem tomadas logo. Hoje, temos de requisitar os dados por ofícios e esperamos alguns dias para receber um relatório. O resultado disso tudo é que vemos o tempo todo ex-presos voltando para o crime.
QUATRO CRIMES EM DUAS SEMANAS
O GLOBO constatou que, de 6 a 20 de fevereiro passado, pelo menos quatro condenados com tornozeleiras eletrônicas foram flagrados praticando crimes. Dirigindo um carro clonado, Leandro da Silva Coimbra, com seis anotações por roubo, tráfico de drogas, porte de arma e formação de quadrilha, morreu ao trocar tiros com PMs que faziam uma blitz em São Gonçalo. Na Cidade de Deus, Victor Hugo Desterro Chagas também morreu durante um tiroteio com policiais. Lucas Correia da Silva voltou a ser preso, por vender drogas no Parque Beira-Mar, em Duque de Caxias; e Cláudio Teixeira Pinto foi recapturado ao aplicar o golpe conhecido como saidinha de banco na Cinelândia.
Atualmente, quando o sentenciado com tornozeleira se afasta do perímetro delimitado por um juiz, o aparelho emite uma luz e apita, mas esses alertas só são perceptíveis para quem o usa. Um sinal é enviado pelo Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados, que fica em São Paulo, para uma central da Superintendência de Inteligência do Sistema Penitenciário (Sispen) da Seap, responsáveis por acionar a polícia e a VEP.
No Ceará, a Secretaria da Justiça e Cidadania, que cuida do sistema penitenciário, faz um acompanhamento on-line de cada condenado com tornozeleira. Se o contato é perdido, uma central faz uma ligação para saber o que aconteceu. Se o procurado não responder imediatamente, a PM recebe um aviso numa linha direta para capturá-lo. O estado monitora 300 sentenciados eletronicamente.
Ao ser perguntada sobre os critérios do prazo de 24 horas para a emissão de um aviso de perda de contato com um condenado que recebeu uma tornozeleira, Roberta Bahouim Carvalho de Souza, juíza-auxiliar da VEP do Rio e atual responsável pelo sistema, não deu resposta.
Para o promotor André Guilherme de Freitas, o Judiciário está desvirtuando o objetivo da chamada prisão albergue domiciliar (na qual o condenado cumpre a pena em casa ou num abrigo). Ele lembra que, de acordo com o Artigo 117 da Lei de Execuções Penais, o benefício é restrito a idosos, gestantes, mães com filhos com alguma deficiência física ou mental e sentenciados com doença grave.
— Esses benefícios são concedidos a autores de crimes graves na contramão da lei, de forma indiscriminada. A Seap e os juízes da VEP começaram a estendê-lo sob o argumento falho de que faltam vagas nos albergues e controle nesses locais. E o que o estado vem fazendo? Está diminuindo a quantidade dessas casas justamente para ter o argumento de que elas não existem, a fim de respaldar as decisões da Justiça pela prisão domiciliar. É preciso destacar que o apenado num albergue dá mais trabalho para a Justiça, pois, se ele comete alguma violação, isso requer mais decisões — acusou o promotor.
De fato, nem todas os albergues estão lotados. Esta semana, havia vagas disponíveis nas unidades Benjamim de Moraes Filho (163), Cândido Mendes (61), Oscar Stevenson (7) e Francisco Spargoli Rocha (98).
Em resposta às críticas do promotor, a juíza Roberta Bahouim explicou, por e-mail, que os apenados cumprem a pena em prisão albergue domiciliar devido à ausência de vagas em casas de albergado e a “fim de garantir o princípio da isonomia”. Ela frisou que, tanto o sentenciado que não tem casa e cumpre pena numa unidade como os que vão para a residência se encontram no mesmo regime, o aberto. Segundo ela, tal situação não fere a lei. Para a juíza-auxiliar, “o monitoramento é uma forma a mais de fiscalização do cumprimento das condições do benefício da prisão albergue domiciliar”.
A Seap confirmou que não faz repasses para o Consórcio de Monitoramento Eletrônico de Sentenciados desde de junho de 2014 e que, até dezembro, a dívida chegava a R$ 4.635.840. A secretaria não deu previsão para o pagamento. Marcelo Ribeiro, representante do grupo de empresas que administra o sistema, afirma que, devido à falta de recursos, 630 tornozeleiras eletrônicas estão sem manutenção.
— Há equipamentos que precisam de uma nova bateria, que estão com o dispositivo de recebimento de alertas quebrado… Todos estão sendo monitorados, mas apenas 732 vêm funcionando de forma plena — diz Ribeiro.
SÃO PAULO QUER MAIS APARELHOS
O sistema de tornozeleira eletrônica utilizado pelo governo de São Paulo permite que a Polícia Militar seja avisada de forma rápida caso um detento que esteja usando o aparelho fuja. Antes de chegar à polícia, porém, a informação percorre um caminho burocrático, pois precisa passar por ao menos três pessoas. Segundo especialistas, o modelo não é suficiente para acabar com a evasão no sistema prisional.
Caso um detento rompa o lacre da tornozeleira ou saia do perímetro determinado pela polícia, a empresa privada contratada para fazer o monitoramento é avisada. Como a empresa não pode ter a identidade dos detentos que usam a tornozeleira, ela precisa avisar a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), que identifica o foragido e, aí sim, aciona a PM.
Uma pesquisa feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mostra que cerca de 3% dos presos que têm direito a saída temporária e usam a tornozeleira eletrônica não retornam à cadeia. Entre os detentos que têm o mesmo benefício mas não usam o equipamento, o índice fica em torno de 5%, de acordo com análise feita pela Comissão de Estudos sobre Monitoramento Eletrônico da OAB.
O estado de São Paulo tem 4,8 mil tornozeleiras eletrônicas, que são utilizadas por parte dos presos que cumprem pena em regime semi-aberto e por aqueles que são beneficiados pelas saídas temporárias. Nos próximos meses, o governo de São Paulo pretende comprar mais 3,2 mil tornozeleiras eletrônicas. Mesmo assim, o número não será suficiente nem para monitorar os presos que recebem o benefício da saída temporária. Só no último Natal, 27 mil presos tiveram direito a passar o feriado em casa.
No início do ano, governo de São Paulo, Tribunal de Justiça e OAB firmaram acordo para testar a aplicação de penas alternativas para crimes menos graves que possam aproveitar a tornozeleira eletrônica. Segundo o criminalista Paulo José Iasz de Moraes, presidente de uma comissão da OAB que estuda o assunto, uma das possibilidades é condenar homens acusados pela Lei Maria da Penha a usar o equipamento para não se aproximar da vítima.
Sérgio Salomão Shecaira, ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, acredita que a tornozeleira eletrônica não é uma alternativa eficaz para diminuir a criminalidade. Dentre os pontos negativos destacados pelo especialista estão o alto custo do dispositivo e o fato de que ele não impede o indivíduo de praticar atos ilícitos.
— A tornozeleira não impede alguém de assaltar um banco desde que ele esteja no perímetro estabelecido pela Justiça.
Shecaira salienta que a tecnologia não é capaz de substituir a figura humana. Ele afirma que a figura do oficial da condicional, por exemplo, não pode deixar de existir para acompanhar de perto as atividades do indivíduo que está fora da prisão.
— Não acredito em soluções mágicas. A tornozeleira é apenas um controle extra. Nada dispensa o aparato humano.
O sistema de tornozeleira eletrônica utilizado em São Paulo permite que a Polícia Militar seja avisada de forma mais rápida que a do Rio se um condenado fugir. Porém, antes de chegar à polícia, a informação precisa passar por duas pessoas. Caso um sentenciado rompa o lacre do aparelho ou saia do perímetro determinado pela Justiça, um funcionário da empresa privada que faz o monitoramento aciona a Secretaria de Administração Penitenciária e informa o número do equipamento. Em seguida, o órgão estadual identifica o foragido e chama a PM.
São Paulo tem 4.800 tornozeleiras eletrônicas e planeja comprar mais 3.200. No início do ano, o governo, o Tribunal de Justiça e a OAB firmaram um acordo para testá-las em autores de crimes de pouca gravidade condenados a penas alternativas. Mas a ideia é criticada por Sérgio Salomão Shecaira, ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:
— A tornozeleira não impede alguém de cometer outro crime. Nada dispensa o aparato humano.
Fonte: ogloboglobo.com
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