_Por *Hugo Torres – Advogado e Consultor Jurídico* Pós graduando em Processo Civil pela ESA/OAB e Gestão Pública pela UAB/IFPE_
É muito comum várias prefeituras brasileiras, especialmente as de pequeno porte, realizarem doações de peixes durante a semana santa. Será que estas doações durante um período certo e determinado de tempo podem ser consideradas legais? Quais os requisitos e cuidados as prefeituras devem adotar caso queiram efetuar este tipo de doação?
Inicialmente, é importante frisar que a doação de peixes para pessoas carentes durante o período da semana santa parece ter um viés mais costumeiro ou eleitoreiro do que propriamente o objetivo de retirar as pessoas necessitadas do estado de carência em que se encontram. Pois, é fácil perceber que nenhum programa social que tenha duração de apenas um dia resultará na diminuição da carência da população.
Ainda que se questione o caráter assistencial e a eficácia de um programa de doação de alimentos apenas em determinado dia ou época do ano, a concessão de benefícios (peixes) a pessoas carentes deve atender as regras das subvenções sociais descritas na Lei nº 4.320/64 e na Lei Complementar nº 101/2000. Além desses instrumentos legais, outros cuidados também são essenciais a fim de evitar a reprovação das contas do gestor junto aos Tribunais de Contas.
O primeiro ponto que as prefeituras devem obedecer para concessão de peixes durante a semana santa é inserir essa ação social como uma etapa de um programa mais amplo e permanente de assistência social. Ou seja, a lei de criação de determinado programa social deve prever várias ações de combate a pobreza, uma delas seria a distribuição de peixes no período da semana santa. Com isto, evita-se que o Tribunal de Contas questione a eficácia de um programa social limitado a determinado dia ou período do ano.
O segundo ponto de destaque diz respeito a vedação imposta pela Constituição Federal de o Poder Público subvencionar cultos religiosos e igrejas ou manter relações de dependência ou aliança com entidades doutrinárias (art. 19, I). Além disso, o gestor deve lembrar que nem toda sociedade possui o ritual de não comer carne durante a semana santa. Existem diversas outras religiões que não seguem esta orientação. Dessa forma, a doação de peixes durante o feriado da páscoa não pode estar associada a determinado grupo religioso ou a certa entidade. Isto é, o principal critério para escolha dos beneficiários do programa não deve ser religioso, mas de necessidade e renda.
A impessoalidade e definição de critérios objetivos não religiosos deve ser antecedente ao programa de distribuição de peixes. Esses parâmetros devem estar previstos em lei municipal que regulamente o programa de assistência social. Logo, é importante que exista na Secretaria de Assistência Social um cadastro prévio de todas as pessoas aptas a receberem o benefício social.
Outro fator preponderante na execução do programa de doação de peixes é a necessidade de comprovação de que as pessoas contempladas receberam efetivamente o benefício. Ou seja, a destinação dos peixes devem ser comprovadas mediante recibo ou documento similar assinado pelo beneficiário.
A distribuição direta do peixe pelo prefeito às pessoas carentes também deve ser algo a ser evitado, a fim de descaracterizar o fim eleitoreiro do programa. Desta feita, o recomendado é que a ação social seja conduzida diretamente pela Secretaria de Assistência Social, seguindo os trâmites normais de qualquer outro programa de combate a pobreza e de inclusão social.
Por fim, apesar de óbvio, não é demais relembrar a necessidade de prévia dotação orçamentária e licitação para aquisição dos peixes a serem distribuídos. Além do mais, os preços de aquisição devem ser precedidos de pesquisa indicando que estão compatíveis com os valores praticados no mercado.