Não há produção industrial do acessório no estado. Em 2019, mais de 339 mil unidades foram importadas do país asiático.
Por Tatiana Notaro, G1 PE
05/02/2020 06h00 Atualizado há 2 horas
Sombrinha de frevo não tem produção industrial em Pernambuco — Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press
Foi na década de 1970 que a sombrinha de frevo virou um ícone de Pernambuco e do seu carnaval. Mas o que muita gente pode não ter se dado conta é de que não existe produção industrial do acessório no Estado.
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Houve anos atrás, mas nada que chegue perto da atual demanda: via Porto de Suape, entraram em Pernambuco, em 2019, 305.076 sombrinhas de frevo. Somadas às 34.320 que chegaram ao estado a partir de outros terminais, chega-se ao quantitativo de 339.396 unidades da alegoria mais emblemática do carnaval pernambucano.Todas vindas da China.–:–/–:–
Entenda como é feita a sombrinha de frevo
Única fabricante de sobrinhas de frevo em Pernambuco a adentrar o século 21 em produção, a loja Leite Bastos iniciou suas atividades em 1872, mas, no início dos anos 2000, a competitividade com os chineses a fez fechar as portas. Desde então, a confecção local é apenas artesanal e isolada (veja vídeo acima).
Segundo a Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), uma sombrinha tradicional entra no mercado pernambucano por R$ 3, já incluindo uma carga tributária de 64%. Já o valor da sombrinha de frevo não é possível mensurar: por estar inclusa em classificação aduaneira de material de festa, ela vem faz parte de um conjunto que inclui máscaras de carnaval, perucas e artigos natalinos.
Nesta classificação, incide uma carga tributária de 93% (composta pelo Imposto sobre Produtos Importados, IPI, pelo PIS/Cofins e pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS) em cima do valor aduaneiro (soma de produto e frete). Para o consumidor final, a sombrinha de frevo custa entre R$ 4,50 e R$ 5, no comércio popular do Centro do Recife.
No comércio do Centro do Recife, a sombrinha de frevo é encontrada a partir de R$ 4,50 — Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press
“Não existe qualquer tipo de isenção de impostos para produtos chineses no Brasil”, comenta o analista de Negócios Internacionais da Fiepe, Rafael Araújo. “Fica muito disperso e muito difícil determinar de onde está saindo essa demanda por sombrinhas, se de empresas de outros estados ou daqui de Pernambuco mesmo”.
Os números mostram que as festas em Pernambuco, não apenas o carnaval, dependem muito da indústria chinesa. Em 2019, os produtos inclusos em “materiais de festa” no mercado pernambucano tiveram 100% de participação da China. “O índice nacional é de 78%”, completa o analista da Fiepe.
Em 2012, ano de recorde, dos US$ 954 mil resultantes de importações em Pernambuco, US$ 930 mil foram de produtos chineses. No Brasil, no mesmo ano, o valor de importações oriundas da China foi de US$ 723 mil.
Acessório é parte da indumentária dos passistas de frevo — Foto: Bruno Campos/Arquivo PCR Imagem
‘All made in China’
Mas por que a China é tão competitiva a ponto fazer um verdadeiro monopólio em tantos nichos? Segundo Rafael Araújo, com a abertura comercial do Brasil nos anos 1990, a China invadiu o mercado com produtos com preços muito mais baixos que os produzidos aqui.
O mercado de sombrinhas e guarda-chuvas foi dos mais atingidos. “Hoje, no Brasil, existem pouquíssimas fábricas deste tipo. As que sobrevivem fabricam produtos customizados, personalizados para empresas”, explica Araújo.
Além da competitividade chinesa, ainda existe a característica do produto em si, visto como descartável e pouco atrativo aos produtores nacionais. “Esse nicho de mercado não é interessante e não está no foco do setor produtivo. O valor do produto chinês é muito baixo e a indústria nacional não consegue competir”, analisa Rafael Araújo.
A competitividade do sistema produtivo daquele país inclui a escala da produção, valor dos insumos (onde um dos reflexos é o custo de logística interna no país) e custo da mão de obra.
E como a China passou a produzir um produto tão específico quanto a sombrinha de frevo? “O caminho mais natural é uma demanda daqui do Brasil, que envia as especificações do produto para a indústria chinesa”, explica o analista da Fiepe.
História da sombrinha de frevo
Pesquisadores contam que a presença do guarda-chuva na dança do frevo está relacionada a uma expressão de ataque e defesa, um sentido de arma.
Grande e preto, o guarda-chuva já caracterizava o passista e era uma arma disfarçada na mão do folião solitário. O processo de escolarização e espetacularização do frevo contribuiu para que a sombrinha fosse se tornando um adereço mais adequado, menor e colorido
Guarda-chuva preto já foi utilizado para dançar frevo — Foto: Reprodução/TV Globo
Por meio dos registros históricos, sabe-se que a sombrinha era um guarda-chuva cheio de coisas penduradas, como salsichas e garrafas de cachaça. O passista que a carregava não tinha a performance e aparência de hoje.
“Alguns usavam paletó em pleno calor, com a cara melada de talco, sem camisa por dentro, uma calça amarrada com cordão, um sapato velho ou tênis trocado ou descalço”, traz a dissertação acadêmica “O frevo nos discos da Rozenblit”, de Paula Viviana de Rezende e Valadares.
Esse processo de escolarização influencia diretamente no mercado, mesmo que isoladamente, já que foram os passistas, professores e bailarinos que passaram a confeccionar e a encomendar sombrinhas de frevo como conhecemos: pequena e nas cores amarelo, verde, vermelho e azul.
Cantor e ator, Walmir Chagas participou dos primórdios do Balé Popular do Recife, em meados da década de 1970. Ao G1, ele relembrou que o então diretor do grupo, André Madureira, esteve diretamente ligado ao que hoje se tem como modelo da sombrinha de frevo
No começo, Balé Popular do Recife usava as sombrinhas infantis, mas elas ainda muito grandes para certos movimentos típicos do frevo, segundo Chagas.
“Fomos à Leite Bastos, na Rua do Fogo (a rua que liga a Avenida Nossa Senhora do Carmo ao Pátio de São Pedro), conversar e o rapaz disse que não tinha sombrinha menor que a infantil, mas que poderia fazer. André encomendou uma tiragem”, disse Chagas sobre a invenção. “‘Faça com umas cores bem alegres’,ele pediu”, continuou.
Para o artista, o erro da imaturidade de quem era ainda muito jovem foi não ter registrado o novo formato de sombrinha. “Talvez, até hoje, o Balé Popular do Recife estivesse ganhando royalties”.