Vamos a assuntos difíceis, já que os fáceis tendem a ter menos graça. Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os condenados em segunda instância já podem começar a cumprir pena de prisão. ATENÇÃO! O QUE SE DECIDIU É QUE ELES PODEM, NÃO QUE NECESSARIAMENTE DEVAM.
Votaram a favor da tese os ministros Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavscki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia, presidente da Corte. A minoria de cinco votos foi formada por Marco Aurélio, Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Sendo mais claro ainda: a maioria decidiu que a prisão a partir da condenação em segunda instância NÃO FERE A CONSTITUIÇÃO.
Vamos entender a confusão. O Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição define:
“LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
E se entendia o que aí vai escrito pelo que aí vai escrito. Se o sujeito não é culpado até o trânsito em julgado — e se compreendia por “trânsito em julgado” a inexistência de recurso —, como é que vai cumprir pena enquanto há recurso?
Sim, isso punha o Brasil numa situação curiosa. Por aqui, uma prisão preventiva não tem prazo. O sujeito fica em cana “preventivamente” enquanto for da vontade de quem decide. Por outro lado, se ele é julgado e condenado em primeira instância, tem de ser solto. Entenderam? Sem sentença nenhuma, não há prazo para sair do xilindró. Condenado, pode ir pra rua e ficar em liberdade até o trânsito em julgado, o que pode demorar anos. Faz sentido? Não! Mas atenção! O que não faz sentido aí é não haver prazo para a preventiva. Sigamos.
No dia 17 de fevereiro deste ano, no julgamento de um habeas corpus, o STF decidiu, por 7 a 4, que um preso poderia ir, sim, para a cadeia, ainda que condenado em segunda instância. A divisão quase que repetiu a desta quarta. Naquele caso, Dias Toffoli votou a favor da prisão. Desta feita, contra. Ele mudou de ideia? Não! São coisas diferentes. Já volto a esse ponto.
Atenção para a questão técnica!
A decisão tomada no dia 17 de fevereiro não era vinculante. O que disso quer dizer? Explico. Votações que têm por base a interpretação da Constituição terão de ser aplicadas a todos os casos semelhantes e por todos os tribunais. Estão nessa categoria a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O Supremo pode ainda emitir uma Súmula Vinculante a partir de determinada decisão.
As demais ações julgadas pelo tribunal não têm esse caráter. É o caso, entre outros, de mandado de segurança, recurso extraordinário e habeas corpus. Aquela decisão do dia 17, que autorizou a execução da pena já a partir da condenação em segunda instância, dizia respeito a um habeas corpus. Logo, os tribunais inferiores não estavam obrigados a segui-la — vale dizer: um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal não estavam obrigados a mandar executar a sentença —, mas podiam fazê-lo se assim entendessem. E um ministro do próprio STF, DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, FORMAL, não se obrigava a repetir o padrão em casos outros. Tanto foi assim que, depois daquele habeas corpus, Lwandowski e Celso de Mello mandaram soltar presos condenados em segundo instância.
O que se fez, o que eu faria e as consequências
Vamos entender direito as coisas. Não tem jeito. Sou um literalista. Eu entendo que a Constituição não autoriza a prisão antes do trânsito em julgado — logo, desta feita, eu teria votado de modo diferente de Gilmar Mendes, por exemplo. Para quem acha que estou sempre com ele, eis um exemplo de que isso não é verdade.
Mas também é preciso entender direito o que foi decidido. Todo colegiado de segunda instância é OBRIGADO a executar a pena? Não! Ele PODE executar a pena. Mais: será que, uma vez na cadeia, o preso não dispõe mais de instrumento nenhum? Dispõe. Como lembrou o próprio Mendes, o instrumento do habeas corpus continua em vigor, ué. A defesa poderá recorrer ao STJ ou ao STF, a depender do caso.
Toffoli
Dias Toffoli certamente vai tomar umas pancadas daqueles que não entendem o que foi votado antes e o que foi votado agora. E dirão: “Ele mudou de lado”. Isso é besteira.
São coisas diferentes. Naquele caso, reitero, votava-se um habeas corpus — e, portanto, não se tratava de fazer um juízo de mérito sobre o que vai na Constituição. Nesta quarta, tratava-se de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) movida pelo Partido Ecológico Nacional, que pedia que o tribunal declarasse constitucional o Artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê a execução da pena apenas depois do trânsito em julgado, e uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) da OAB.
Qual foi o voto de Toffoli no fim das contas? Aquele que eu daria: mantenha-se a Constituição intocada, segundo a presunção de inocência, porque existe a possibilidade de prender, como ficou claro naquela votação de 17 de fevereiro.
A rigor, a mudança, de verdade, é mínima do ponto de vista da lógica formal, mas os desdobramentos são absolutamente distintos. É claro que, com a decisão de agora, a tendência será mandar para a cadeia os condenados em segunda instância. Só com aquela votação do dia 17 de fevereiro, essa era uma ocorrência possível, mas seria rara. Agora, o raro será o condenado em segunda instância ficar fora da cadeia.
Sim, caros, eu reconheço que a decisão tomada serve com mais propriedade ao combate à impunidade. Mas tenho cá meus fundamentos. Como acho que a decisão contraria a Constituição, teria votado contra. Para casos assim, recomendo o quê? Ora, que se mude a Constituição!