Alteração de Nunes Marques na Lei da Ficha Limpa foi tema de discussão em 2012 no STF. Entenda
No último sábado, ministro Nunes Marques suspendeu trecho da lei que, na prática, diminuiu tempo em que condenado é impedido de ser candidatoAndré de Souza21/12/2020 – 18:56 / Atualizado em 21/12/2020 – 20:34
BRASÍLIA — A decisão deste sábado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques vai na contramão de um entendimento de 2012 da Corte. O novo ministro decidiu retirar parte do texto que tratava do tempo de inelegibilidade de condenados por órgãos colegiados, atendendo a um pedido de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que alegava uma espécie de inelegibilidade por tempo indeterminado. Há oito anos, no entanto, a Corte, durante julgamento que validou a lei, discutiu se haveria exageros no prazo, que poderia chegar a décadas, e decidiu pela permanência do trecho. Com a decisão em caráter liminar de Marques, os ministros devem discutir mais uma vez o tema em plenário.
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Originalmente, a lei dizia que são inelegíveis para qualquer cargo “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena”, por crimes contra a economia popular, fé pública, administração pública, patrimônio público, entre outros.
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A decisão de Marques reduz na prática o tempo de inelegibilidade, com a retirada do trecho que diz “após o cumprimento da pena”, ou seja, o prazo termina oito anos após a condenação por órgão colegiado, independentemente de a pena já ter sido cumprida ou não. A PGR já apresentou recurso contra a decisão, que será analisado pelo ministro Luiz Fux, presidente da Corte.
Em 2012, Fux, que foi o relator das ações sobre a Lei da Ficha Limpa, chegou a contestar esse ponto da lei. Para ele, o prazo entre a condenação e o trânsito em julgado, que é quando se encerra o processo, deveria ser posteriormente descontado do tempo total de inelegibilidade. Mas ele foi derrotado nesse ponto, conforme consta no acórdão, que é o resumo do que foi decidido: “vencido o relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.”PUBLICIDADEhttps://6e5d8f168b7b042d5f9a04d93a888829.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
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O ministro Joaquim Barbosa, já aposentado, não se aprofundou no ponto, mas votou pela constitucionalidade de toda a Lei da Ficha Limpa, sendo acompanhado por Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, também já aposentado. Cármen Lúcia chegou a acompanhar Fux, mas, depois, retificou o voto.
— O único ponto do meu voto que eu não dava pela procedência integralmente era apenas no caso da alínea “e” [que trata do prazo de inelegibilidade], em que acompanhei inicialmente a interpretação conforme dada pelo Ministro Fux, mas reajustei para julgar procedentes as ações declaratórias e improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, sem qualquer restrição — disse Cármen, na ocasião.
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Em seu voto, Rosa Weber anotou: “A imposição da inelegibilidade desde a condenação pelo colegiado, passando pelo trânsito em julgado, e até por oito anos após o cumprimento da pena, constitui um prazo dilatado, mas que se encontra dentro do âmbito da liberdade de conformação do legislador. Pode o condenado, diante de uma condenação por órgão colegiado, realizar as suas escolhas, deixando o trânsito em julgado ocorrer, ou recorrendo até quando for possível, as vezes com certo abuso do direito de recorrer. A lei trata igual o condenado segundo as opções que realizar. São escolhas difíceis, é certo, já que quem cumprir mais cedo a pena terá restaurada mais precocemente a sua elegibilidade.”PUBLICIDADE
O ministro Cezar Peluso, já aposentado, foi um dos que mostraram desconforto com o prazo total de inelegibilidade que a Lei da Ficha Limpa poderia provocar, no que foi contestado pelo ministro Marco Aurélio Mello.
— Suponha hipótese em que alguém tenha sido condenado, em segundo grau, a dez anos de prisão, e, entre essa decisão e o trânsito em julgado, tenham ocorrido cinco anos. Então, aí, temos cinco anos que se somam a partir da decisão até o trânsito em julgado, mais dez anos do cumprimento da pena e mais oito anos depois — disse Peluso.
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— Não posso endossar a postura daqueles que apostam na morosidade da Justiça! — disse Marco Aurélio, acrescentando:
— Interpõe-se sucessivos recursos para projetar no tempo, visando a não cumprir o decreto condenatório, o trânsito em julgado da decisão. É a realidade.
— Independente da crença de Vossa Excelência, temos o total de 23 anos nesse caso — respondeu Peluso.
Marco Aurélio então disse que essa foi a opção escolhida pelo Congresso ao aprovar a lei, não cabendo ao STF mudar a regra.
— De qualquer forma, observo a opção político-normativa do legislador. Não vejo falta de razoabilidade no período de inelegibilidade. Descabe dar desconto a quem tenha claudicado no campo penal — avaliou Marco Aurélio.PUBLICIDADE
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes se alinhou à posição de Fux, dizendo que houve um excesso do Congresso: “Não se pode negar que a previsão de prazos de inelegibilidade que podem superar os 20 anos tem o condão de praticamente retirar um cidadão da vida política, dependendo do caso. A medida adotada pela Lei da Ficha Limpa pode, inclusive, aniquilar carreiras políticas, tamanha a desproporção com que fixou o prazo da inelegibilidade.”
Nesse julgamento, o ministro Dias Toffoli, votou para invalidar partes da Lei da Ficha Limpa, mas não o trecho suspenso agora por Nunes Marques. Ele foi favorável a retirar a expressão “ou proferida por órgão colegiada”, ou seja, só seria inelegível quem tivesse condenação em trânsito em julgado, quando não é mais possível recorrer. Mas não votou para remover “após o cumprimento da pena”, conforme fez agora Nunes Marques.