Eis uma pergunta universal e atemporal. “Ninguém jamais viu a Deus” – disse o apóstolo João, sugerindo que Deus não é óbvio. O apóstolo Paulo afirma que, com Deus, “andamos por fé, não por vista”. O profeta Isaías chega a dizer que Deus é abscôndito, isto é, um Deus velado, que se esconde, que não se mostra tão facilmente, somente percebido por aqueles que recebem revelação.
Os homens mais íntimos de Deus conviveram com angústias profundas e sensações da ausência de Deus: “Assim como o cervo brama pela corrente das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Sl 42.1) – suspiravam os poetas bíblicos. “Até quando, Senhor? Até quando o Senhor vai manter a sua face escondida, até quando eu vou clamar e o Senhor não vai responder?” – gritavam quase em desespero.
O povo de Israel precisa responder às nações vizinhas, que perguntam: “Onde está o seu Deus?”. E mesmo Jesus, em seu momento de maior agonia, é confrontado com a sensação de ter sido abandonado e esquecido na mais profunda solidão: “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?”. A pergunta “Onde está Deus?” é, portanto, uma das mais relevantes que podemos fazer hoje.
O teólogo anglicano John Robinson, em sua obra “Um Deus Diferente”, comenta as respostas mais usuais à questão da presença de Deus no mundo. A primeira resposta que encontramos na Bíblia – diz Robinson – é que “Deus está lá em cima”. O salmista diz que “Nosso Deus está nos céus; ele faz tudo o que lhe apraz” (Sl 115.3). Jesus nos ensinou a orar com palavras que sugerem que Deus está lá em cima, nos céus, onde sua vontade é feita de modo perfeito, diferentemente do que acontece na terra. A cosmogonia medieval nos ensinou que o céu está lá em cima, a terra aqui no meio, e o inferno lá em baixo.
A noção de que Deus habita lá em cima resulta numa percepção hierarquizada: o General dos exércitos com seus comandados, o Rei com seus súditos, o Senhor com seus escravos, o que não deixa de ser verdadeiro. É verdade que Deus está lá em cima, mas essa não é toda a verdade! Deus está também aqui – disse o profeta Isaías – pois habita o “alto e sublime”, mas também está presente ao lado “dos humildes e quebrantados de coração”. Deus mergulhou na sua criação quando se fez carne e habitou entre nós, e, por isso, em Jesus de Nazaré, é chamado Emanuel – Deus conosco. O transcendente é também presente.
Falamos hoje de um universo em expansão e em diversas dimensões. Euclides acreditava em três dimensões, enquanto Einsteien, a partir de sua Teoria da Relatividade, propôs quatro. Os cientistas atuais discutem a Teoria das Supercordas e acreditam que são necessárias entre onze e 26 dimensões para explicar a organização do universo: além das quatro conhecidas, algumas outras estariam enroladas e escondidas. Robinson sugere que quando a ideia de “acima, no meio e abaixo” ficou ultrapassada, pareceu melhor dizer que “Deus está lá fora”, isto é, fora do universo, sob pena de ser confundido com ele ou suas realidades espaço-temporais.
Para explicar que Deus não é uma substância material e não está dentro do seu universo – pois “Deus é Espírito” –, os teólogos criaram essa ideia de que Deus é transcendente, ou seja, Deus é de outra natureza, de outra ordem. Nas palavras de Karl Barth, “Deus é totalmente outro”, absolutamente distinto de toda a realidade criada, e portanto está fora do universo. Isso também é verdadeiro. Mas essa não é toda a verdade, pois a tradição cristã também crê que Deus veio habitar não apenas entre nós e ao nosso lado, mas também em nós, na pessoa de seu Espírito Santo. Essa constatação levou alguns teólogos – comenta Robinson – a resgatar outra verdade igualmente bíblica: Deus está nas profundezas do ser. Santo Agostinho, em suas “Confissões”, exclama: “Deus me é mais íntimo que meu íntimo, mais íntimo que eu a mim mesmo”. O mistério que esteve oculto durante os séculos foi revelado segundo Paulo, apóstolo, e nos trouxe a mais gloriosa esperança: “Cristo em nós”. O transcendente é também imanente.
Uma vez que “ninguém jamais viu a Deus”, que por sinal é identificado pelo apóstolo Paulo como aquele que “habita em luz inacessível”, buscamos diferentes maneiras de responder à pergunta “Onde está Deus?”. Lá em cima, lá fora e nas profundezas do ser são algumas delas. Porém quero sugerir uma quarta possibilidade: Deus está nas relações de amor, porque “Deus é amor”, e, portanto, necessariamente um Deus em relação – relacionamento.
Hugo Assmann e Jung Mo Sung, em seu livro “Deus em nós” (Paulus), desenvolvem o conceito de “endomística”: “A noção de que Deus e o seu amor se fazem presentes no meio de nós à medida que amamos e servimos aos pobres e excluídos”. Jung Mo Sung comenta que “a presença do Amor de Deus em nós acontece no amor solidário ao próximo. Não há uma relação de causalidade entre o que vem primeiro e o que vem depois. Nas palavras de Assmann, “Deus solidário é o Deus em todos e de todos”. A presença de Deus se faz presente em nós quando nos abrimos ao próximo no amor solidário, e nós somos capazes disso porque o amor de Deus opera em nós. É um “acontecimento” em que os “dois amores” ocorrem simultaneamente, que só acontece à medida que o amor solidário pelo próximo e o amor de Deus se fazem presentes ao mesmo tempo.
O Deus cristão não vive na solidão: é Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito, a comunhão perfeita de três pessoas que vivem em amor desde toda a eternidade. Quanto mais longe estamos uns dos outros, mais distantes de Deus, ou, se preferir, mais distantes da experiência de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus” – disse o apóstolo João. Contudo, concluiu dizendo que, “se amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós” (1Jo 4.12). Deus está também e principalmente no breve instante em que conseguimos sair de cena, matar o ego e abrir espaço existencial para Deus ser em nós e principalmente por meio de nós. Como bem observou Leonardo Boff em “Experimentar Deus” (Editora Vozes), Deus é não apenas transcendente e imanente, mas também transparente, pois é Deus “sobre todos, em todos, e por meio de todos”.
Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, “O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia”.