BBC27/04/201407h21
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Uma vida repleta de virtudes heroicas, exemplos de fé e devoção a Deus. Some-se a isso dois milagres comprovados e estão cumpridos basicamente os requisitos mínimos para se criar um santo da Igreja Católica.
O processo, no entanto, depende de uma máquina burocrática complexa em que qualquer desvio de caráter pode custar o título ao candidato – e a certeza de que, invariavelmente, cairá no esquecimento dos fiéis.
Na Igreja Católica, a canonização normalmente leva tempo e depende de inúmeras circunstâncias legais, mas, de tão azeitada, a engrenagem foi apelidada de “fábrica de santos”.
Por esse processo, passaram João Paulo 2º, João 23 – com variações em função das épocas e dos casos – e centenas de santos reconhecidos pelo Vaticano até hoje.
Cabe à Congregação para as Causas dos Santos a função de “regular o exercício do culto divino e de estudar as causas dos santos”.
Por meio desse “ministério da santidade”, dirigido pelo cardeal italiano Angelo Amato, que passam as “fichas” dos candidatos à canonização.
No entanto, a palavra final sempre é do papa, o único com poder para decretar, de fato, a santidade. Nas últimas décadas, esse poder vem sendo exercido cada vez com mais assiduidade.
Durante seu papado, João Paulo 2º nomeou mais de 480 santos, mais do que o restante dos pontífices desde o século 16 juntos.
Apesar de o ritmo ter sido reduzido por Bento 16, que canonizou 44 santos durante seu curto papado, Francisco dá sinais claros de que quer retomá-lo. Em pouco mais de um ano como pontífice, o argentino já realizou mais de dez canonizações.
Em uma delas, Francisco canonizou de uma vez só 800 mártires, os chamados “mártires de Otranto”, que, por razões metodológicas, são contabilizados como uma única canonização.
Segundo especialistas, essa proliferação dos santos se deveu à reforma do processo de canonização nas últimas décadas. O próprio papa João Paulo 2º, tratou de simplificá-lo em 1983.
Enquanto que alguns criticam a multiplicação e o ritmo acelerado das canonizações, considerando que isso diminui o valor da santidade, a Igreja busca estabelecer “exemplos de vida” mais próximos dos cristãos contemporâneos.
Quem pode ser santo?
A santidade, como tantos outros temas relacionados com a religião, é uma questão de fé.
“Qualquer um pode ser canonizado, independentemente de sua origem, condição social ou raça… É preciso apenas que tenha tido uma vida de santidade, que tenha vivido as virtudes cristãs de um modo heroico e que haja ausência de obstáculos insuperáveis”, afirmou à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Santiago Blanco, bispo de Cruz del Eje e juiz delegado da Congregação para as Causas dos Santos, na Argentina.
No entanto, para que o processo de canonização seja iniciado, o nome do candidato deve ser proposto à diocese, geralmente do lugar onde morreu. Este é considerado o primeiro “filtro” rumo à canonização.
“Todo cristão pode propôr o nome de alguém, mas geralmente os nomes são propostos por dioceses, comunidades religiosas de homens ou mulheres ou grupos de leigos”, disse à BBC Mundo Gerardo Sanchéz, juiz supremo para as Causas dos Santos do arcebispado da Cidade do México.
“Nihil obstat”
“Em primeiro lugar, a história do candidato é analisada, incluindo depoimentos de pessoas que conviveram com ele. Em seguida, o bispo pergunta as outras dioceses do país se o caso deve ser aberto. E depois disso a petição segue à Roma onde recebe o nihil obstat , uma espécie de certificado de que não há coisas insuperáveis que tornam impossível o início do caso”, acrescentou White.
Após o “nihil obstat”, a primeira das duas fases do processo de canonização, começa a “fase diocesana”, que, uma vez concluída, passa a ser chamada “fase romana”.
Na fase diocesana, o bispo constitui um tribunal ou uma comissão de investigação que estuda em detalhes a história do indivíduo, de sua família e do contexto em que ele viveu. Cabe ao “postulatore della causa” a realização do processo de recolha e pesquisa, como explicou à BBC Brasil o padre Marco Sanavio, diretor de comunicações da diocese de Pádova, na Itália.
Dois milagres
A partir desse momento, para concluir o processo de canonização, a Igreja pede a comprovação de dois milagres atribuídos ao candidato.
No entanto, o papa pode dispensar o candidato desta condição. Isso aconteceu, por exemplo, com João 23, que nomeou São Francisco com apenas um milagre reconhecido.
Segundo White, os “mártires” também estão isentos dessa premissa, uma vez que, segundo a Igreja, eles “morreram como resultado de sua fé”.
A verificação de um milagre é talvez um dos problemas mais complexos e controversos e segue um processo semelhante para as duas fases anteriores da canonização, uma na diocese e uma em Roma.
A fase romana inclui a revisão por um tribunal médico e outros peritos teólogos antes de uma comissão de bispos e cardeais compartilharem sua opinião .
“Se o parecer for favorável, cabe apenas ao Santo Padre assinar o decreto de canonização”, disse White.
O que significa ser santo ?
Enquanto o culto dos beatos é local, o dos santos pode ser exercido em qualquer lugar.
“Teologicamente significa que podemos garantir que não haja risco de erro que a pessoa que está nos céus”, disse à BBC Fermín Labarga, professor de Direito Canônico na Universidade de Navarra.
“Para o Papa canonizar exerce a sua infalibilidade . Certamente isso é um fato da fé”, conclui Labarga.
* Colaborou Luis Barrucho, enviado especial da BBC Brasil ao Vaticano
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