Elivaneide Nunes falou sobre a dor de perder o filho numa tragédia anunciada. Ao todo, 129 pessoas morreram vítimas de incidentes por causa das chuvas, em 2022, no estado.
Por Danielle Fonseca, TV Globo
‘Ele deve ter chamado por mim’, diz mãe de adolescente morto em deslizamento de barreira
“Se tivessem tirado um pedaço do meu braço, eu acho que estaria doendo menos. Eu estou sentindo como se o meu coração fosse uma laranja que espremeram todo o suco de dentro”. O desabafo é da dona de casa Elivaneide Nunes, mãe do adolescente Lucas Daniel Nunes de Abreu, de 13 anos, morto em um deslizamento de barreira na Linha do Tiro, na Zona Norte do Recife.
A barreira deslizou na madrugada da terça-feira (7), em uma comunidade que, há anos, pede socorro ao poder público. Desde 2015, foram 14 chamados para a Rua Vencedora, onde esse deslizamento também deixou três pessoas feridas, incluindo a mãe do adolescente. Com a morte de Lucas, subiu para 129 o número de óbitos por causa do desastre provocado pelas chuvas no estado em 2022.
Emocionada, Elivaneide não sabe o que fazer para amenizar a dor de perder o filho em uma tragédia anunciada. Ela morava no local há 20 anos e passou a ser uma das mais de 129 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas por viverem em moradias precárias, ainda mais prejudicadas pela chuva.
“Ele era o melhor menino do mundo e dizer a palavra no passado é bem difícil. Ele estava comigo há pouco tempo, só 13 anos, mas parece que era um eternidade, porque ele era muito dinâmico. […] É incomensurável a dor que eu estou sentindo de não ter conseguido proteger o meu filho. Ele deve ter chamado por mim”, disse a mãe.
Horas após o deslizamento, o avô de Lucas, Eliziario da Silva, conhecido como Pelé Marceneiro, fez um desabafo sobre o fato de, por ser pobre, ser obrigado a morar em lugares de risco. “Queria o prefeito aqui para dizer porque é que a gente mora na barreira“, disse.
A dona de casa Elivaneide Nunes é a mãe de Lucas Daniel Nunes de Abreu, de 13 anos — Foto: Reprodução/TV Globo
As 129 mortes em Pernambuco foram registradas desde o dia 25 de maio. Desde essa data, a mãe de Lucas prometia que, quando a chuva parasse, a família iria no cinema. Promessa que ela não vai poder cumprir.
“Eu tinha prometido a ele que a gente ia no cinema quando a chuva parasse. Ele tinha me pedido para comer pizza, mas eu disse ‘menino, a gente já comeu tanto, deixa para comer pizza amanhã’ e não teve um amanhã e não vai ter mais”, disse Elivaneide.
Lucas Daniel Nunes de Abreu morreu vítima de deslizamento de barreira no Recife — Foto: Reprodução/WhatsApp
Assim como Pelé Marceneiro, Elivaneide lembrou o fato de ser obrigada a morar em locais precários por causa da falta de ações do poder público. A mãe do garoto disse que um dos sonhos de Lucas era de, ao completar 18 anos, comprar uma casa.
“Eu não moro na barreira porque eu quero. Eu não vou morar mais, em nome de Jesus. E eu não morava lá porque eu quero. Eu morava lá porque não tinha perigo, eu chamei várias vezes a Defesa [Civil] e a Defesa chegava [e dizia] ‘não precisa de lona’, porque não tinha risco, não tinha nada. […] A gente faz porque a gente quer ter uma casa para morar”, afirmou.
Em meio à maior dor da vida dela, a mãe de Lucas se apega à fé para tentar ficar de pé. “Deus está me dando uma força que eu nem sabia que eu tinha. Minha mãe sempre dizia para mim: ‘Tu é tão forte’, e eu estou fazendo de tudo para demonstrar isso, porque eu ainda tenho mais dois filhos”, declarou a dona de casa, que também é mãe de Artur Ricardo Nunes, de 7 anos, e Maycon Nunes, de 18 anos.
Tragédia anunciada
Profissionais trabalham em barreira onde casas foram destruídas no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo
O perigo iminente da barreira em que Lucas morreu não é novidade para a população, muito menos para o poder público. Entre 2015 e 2022, na administração dos prefeitos Geraldo Julio e, posteriormente, João Campos, e do governador Paulo Câmara, todos do PSB, os moradores fizeram 14 chamados diversos para a Defesa Civil do Recife na Rua Vencedora.
Em entrevista ao Bom Dia Pernambuco, da TV Globo, nesta quarta-feira (8), o secretário executivo de Defesa Civil do Recife, coronel Cássio Sinomar, deu a seguinte declaração:
“A gente tem que acabar com esse negócio de ‘não tenho para onde ir’. O negócio que tem que ficar consciente, para gente que mora em área de morro, uma coisa que tem que ficar consciente na cabeça dos outros é dizer assim ‘aqui, eu não posso ficar’.”