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O homem que passou 20 anos preso por homicídio – mas sua ‘vítima’ continuou viva

07/03/2016 17h34 – Atualizado em 07/03/2016 17h34

Taxista ugandense Edward Edmary Mpagi foi preso por acusações de assalto e acabou sendo indiciado por matar filho de vizinho, injustiça que levou duas décadas para ser corrigida.

Vibeke VenemaDo Serviço Mundial da BBC

Edward Edmary Mpagi foi acusado de matar filho de vizinho, mas suposta vítima estava viva e passando bem  (Foto: Scott Langley)Edward Edmary Mpagi foi acusado de matar filho de vizinho, mas suposta vítima estava viva e passando bem (Foto: Scott Langley)

O ugandense Edward Edmary Mpagi foi preso por um assassinato que ele não cometeu ─ na verdade, sua suposta “vítima” continuava viva e passando bem.

Mpagi passou 20 anos na prisão. Como ele, centenas de outros ugandenses ainda permanecem atrás das grades aguardando uma decisão da Justiça.

Em 1980, Campala, capital e maior cidade da Uganda, era uma terra sem lei ─ soldados matavam civis e episódios de violência extrema ocorriam à luz do dia.

Quando o táxi de Edward Mpagi foi assaltado, ele decidiu se mudar com sua família para o vilarejo onde moravam seus pais. Ali, o único problema era uma disputa de terras que já se arrastava por anos ─ e foi justamente isso que mudou para sempre seu futuro.

Em junho de 1981, seus vizinhos foram roubados e espancados, e as suspeitas recaíram sobre Mpagi – que foi preso junto com seu primo, Fred Masembe.

“(Os vizinhos) não tinham uma relação boa com meus pais”, alega Mpagi.

Ele e o primo foram acusados de assalto e enviados à prisão de Masaka, onde os prisioneiros eram divididos de acordo com seus crimes. “Percebi que estava no grupo dos assassinos”, diz Mpagi. “Fiquei com muito medo pois sabia que eu era inocente”.

Um ano depois, Mpagi e seu primo foram levados a julgamento. Eles só haviam se encontrado com seu advogado duas vezes mas, quando Mpagi pediu mais tempo, ouviu dele uma negativa. “Eu sei de tudo”, disse o advogado. E, então, o julgamento começou.

Mpagi não falava bem inglês ─ o idioma do tribunal ─ enquanto seu primo, Masembe, não sabia nada do idioma.

Mpagi foi condenado à morte; ele recebeu perdão presidencial e foi libertado depois de 20 anos atrás das grades (Foto: Scott Langley)Mpagi foi condenado à morte; ele recebeu perdão presidencial e foi libertado depois de 20 anos atrás das grades (Foto: Scott Langley)

Para a surpresa de ambos, souberam que haviam sido indiciados pelo assassinato do filho do vizinho, William Wandyaka.

“Foi horrível, porque se você sabe que é inocente, não tem nem o que dizer”, diz Mpagi.

Nenhuma testemunha foi chamada para depor em defesa dos dois, mas quatro pessoas afirmaram terem visto Mpagi com uma arma.

A verdade era que não havia uma arma, tampouco uma vítima ─ Wandyaka estava vivo e passando bem, e só tinha se escondido.

“Ele estava longe de casa e voltava durante a noite ─ ele não podia se expor”, diz Mpagi, que alega que as testemunhas haviam sido compradas.

Quando o juiz o condenou à morte, Mpagi conta ter desmaiado. “Não tenho palavras para descrever o que aconteceu. Foi terrível. Falaram que eu ia morrer”.

Os dois homens foram levados, então, para a prisão de segurança máxima de Luzira, em Campala. Despidos, eles receberam dois lençóis ─ um deles para ser usado como cama. Mpagi só voltou a dormir em um colchão em 1996.

Superlotação
A prisão recebia tantos prisioneiros políticos que os condenados eram levados diretamente à forca. As celas eram individuais, mas acabavam sendo compartilhadas por quatro ou cinco detentos.

“Dividíamos um pequeno balde como um penico. E tínhamos diarreia, por causa da disenteria (doença inflamatória do intestino). Era horrível”, diz Mpagi.

Os prisioneiros só podiam sair de suas celas por meia hora durante o dia, para limpar os baldes.

Segundo Mpagi, a pior coisa era ouvir as execuções de suas celas. “Podíamos ouvi-los (prisioneiros) chorando, dizendo adeus, ou nos dizendo que A ou B haviam sido levados. Eu tremia só de pensar: ‘Quem será o próximo agora?'”, diz Mpagi.

Houve cinco rodadas de execuções ─ cada uma com vários prisioneiros ─ entre 1989 e 1999. Mpagi testemunhou todas elas.

Um dos companheiros de cela lhe passou uma mensagem, escrita em papel higiênico. Dizia: “Adeus, Mpagi. Parto esta tarde para nos encontramos no céu”.

E as más condições da prisão causaram a morte de seu primo ─ Masembe ficou doente, mas recusou tratamento e morreu em 1985.

Inocência
Mpagi acredita ter escapado da execução porque as autoridades penitenciárias sabiam que ele era inocente ─ ele falava bastante sobre o assunto, e um jornalista discutiu seu caso na TV. “Eu falava a todo mundo que vinha me ver que eu era inocente e que estava morrendo”.

Em 1989, a verdade veio à tona ─ líderes da cidade natal de Mpagi finalmente investigaram o caso e escreveram ao procurador-geral do país para dizer que o homem que ele fora acusado de matar ainda estava vivo. Apesar disso, nada mudou. Mpagi permaneceu encarcerado.

O problema foi que, naquele momento, muitos dos que estavam envolvidos no caso ─ incluindo os juízes ─ já haviam morrido. “Não havia ninguém para prestar depoimento. Portanto, demorou muito para conseguirmos reunir provas factuais”, relembra Mpagi.

Já tendo perdido uma apelação em 1983, sua única chance era o perdão presidencial, que foi finalmente dado pelo presidente Yoweri Museveni em 2000. Quando Mpagi foi liberado, sua “vítima”, Wandyaka, ainda estava viva ─ ele morreu de Aids dois anos depois. Apesar das repetidas solicitações de Mpagi, Wandyaka nunca quis encontrá-lo.

Mpagi não pediu indenização, especialmente por causa da preocupação com os companheiros de cela. Ele temia que se processasse o Estado, o governo relutaria em libertar outros prisioneiros inocentes. “Então, eu dizia: ‘Não, me deixem quieto'”. Ele hoje faz campanha pela abolição da pena de morte.

Mpagi também se tornou catequista, e todos os dias visita prisões para rezar com os presos. “Eu sempre digo a eles: ‘Na prisão, você é como um tomate em uma plantação ─ um tomate cresce e produz novos tomates, vocês podem crescer e se tornar pessoas melhores'”.

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